Gerenciar um trabalho a quente é uma das atividades de maior risco e responsabilidade para um Profissional de SST. De um lado, a pressão pela produtividade; do outro, o risco iminente de incêndio, explosão e acidentes graves. A complexidade não para aí: mas afinal, qual NR fala sobre trabalho a quente? É a NR-18? A NR-34? E como isso se integra ao seu GRO/PGR? Este guia é um documento técnico, direto ao ponto, feito para eliminar a confusão e entregar o que você precisa: a definição clara, a diferença entre as NRs e as medidas de controle que garantem a segurança do ambiente e do seu operador.
O que é trabalho a quente? (a definição técnica)
Tecnicamente, trabalho a quente é definido como toda atividade capaz de gerar fontes de ignição, como faíscas, chamas ou calor intenso. Essas atividades, quando realizadas fora de áreas designadas (como uma oficina de solda), apresentam um risco crítico.
As atividades mais comuns que se enquadram neste conceito incluem:
- Soldagem (atividade de trabalho a quente prevista na NR-18, item 18.7.6, e na NR-34, item 34.5);
- Goivagem;
- Esmerilhamento;
- Corte (oxicorte, corte a plasma etc.);
- Outras que possam gerar aquecimento, centelha ou chama.
Saber como caracterizar um trabalho a quente é o primeiro passo: a análise não se baseia apenas na ferramenta, mas no potencial de ignição que ela gera no ambiente em que está sendo usada.
Os 2 níveis de risco do trabalho a quente: do ambiente ao operador
Uma gestão de SST eficaz exige uma visão 360º. A maioria dos Profissionais de SST foca apenas no risco mais óbvio: o incêndio no ambiente. No entanto, o risco ao operador é igualmente crítico e é onde a escolha correta do EPI faz a diferença entre “um susto” e um acidente grave.
Risco nível 1: incêndio e explosão no ambiente
Este é o risco mais imediato e o foco principal da legislação. Faíscas e borras incandescentes podem viajar metros e atingir materiais combustíveis, líquidos inflamáveis ou poeiras, iniciando um incêndio ou causando uma explosão. As medidas de controle primárias aqui incluem o isolamento da área (com mantas antichamas), umectação do piso, remoção de inflamáveis, presença de extintores adequados e, quando a Análise de Risco definir, o papel vital do “observador”.
Risco nível 2: a exposição do operador (calor, fumos e queimaduras)
Este é o risco que muitas vezes fica em segundo plano, mas que causa o maior número de lesões. A atividade de solda, corte a plasma e goivagem gera riscos severos e imediatos ao trabalhador, muito além da faísca.
O risco mais intenso e frequentemente subestimado é o calor radiante, emitido pelo arco elétrico ou pela poça de fusão. Ele é capaz de causar queimaduras graves mesmo à distância, sem contato direto.
Simultaneamente, o operador está exposto ao calor convectivo, gerado pelo ar superaquecido em movimento, e também aos fumos metálicos do processo, que são um risco adicional de natureza respiratória e devem ser controlados conforme os requisitos de ventilação e proteção respiratória previstos na NR-34, itens 34.5.4.1 a 34.5.4.3 (com PPR).
Embora o trabalho a quente ocorra em vários setores, sua forma mais extrema é vista em operações de fundição, onde o metal líquido é uma fonte de ignição e radiação térmica constante.
A tolerância do trabalhador a essa exposição é regulada pela NR-15, em seu Anexo 3. É importante notar que, enquanto as NRs 18 e 34 focam na fonte de ignição (a faísca), o Anexo 3 da NR-15 foca na carga térmica (estresse térmico), que define os limites para insalubridade.
Qual norma rege o trabalho a quente? (NR-18 X NR-34)
Aqui esclarecemos a maior dúvida do setor: em qual norma enquadrar a atividade. A resposta depende do setor. A NR-18 trata do trabalho a quente na indústria da construção; a NR-34 trata do trabalho a quente na construção, reparação e desmonte naval. Primeiro identifica-se a norma aplicável, depois se aplicam os requisitos.
A regra geral: NR-18 (indústria da construção)
A NR-18 – Segurança e Saúde no Trabalho na Indústria da Construção – é a norma que, no item 18.7.6, trata do trabalho a quente nesse setor. Para qualquer trabalho a quente, devem ser atendidas as condições mínimas do item 18.7.6.1 (verificação do local, remoção/isolamento de materiais combustíveis e disponibilização de meios de combate a incêndio). Quando ocorrerem as situações previstas no item 18.7.6.2, alíneas “a” e “b”:
- quando houver materiais combustíveis ou inflamáveis na área de execução; ou
- quando o serviço for feito em local que não seja destinado ou isolado para trabalho a quente.
Nesses casos, passa a ser obrigatória a elaboração de Análise de Risco (AR). Conforme a NR-18, item 18.7.6.3, essa AR deve definir as medidas de proteção e, quando necessário, a presença de observador capacitado.
A regra específica: NR-34 (indústria da construção, reparação e desmonte naval)
A NR-34 – Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção, Reparação e Desmonte Naval – é a norma setorial que trata do trabalho a quente em estaleiros, plataformas e estruturas navais.
No caso do trabalho a quente, a norma dedica o item 34.5 – Trabalho a Quente ao tema. Ali a NR-34 estabelece que:
- deve ser feita Análise Preliminar de Riscos (APR) para a atividade (item 34.5.7), indicando medidas de controle, áreas adjacentes e, quando for o caso, a necessidade de observador;
- antes do início do trabalho a quente, o local deve ser inspecionado e o resultado dessa inspeção deve ser registrado na Permissão de Trabalho (PT) (item 34.5.8);
- a APR deve definir se haverá observador (item 34.5.10) e, quando ele for requerido, ele deve permanecer até o término da atividade e da verificação das áreas indicadas na APR.
Por isso dizemos que o trabalho a quente na NR-34 é mais rigoroso: porque ele sempre passa por APR documentada e por PT formal, e porque o controle de incêndio/atmosfera é pensado para ambientes com maior potencial de confinamento e de presença de inflamáveis.
Integração do trabalho a quente com GRO/PGR (a visão 360º)
O trabalho a quente não é uma “ilha” de procedimentos. Para o profissional de SST estrategista, ele deve estar 100% integrado ao Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), conforme determina a NR-1. A Análise de Risco (AR) ou APR realizada para o trabalho a quente alimenta diretamente o inventário de riscos do seu PGR. A Permissão de Trabalho (PT), onde exigida (como na NR-34), é a materialização do plano de ação para controlar aquele risco inventariado.
Responsabilidades: o papel do empregador, executor e observador
A definição clara de responsabilidades é o que evita falhas na gestão. As normas (tanto a 18 quanto a 34) são claras:
- Empregador/supervisor: é responsável por garantir a Análise de Risco, implementar as medidas de controle, fornecer os EPIs corretos e (no caso da NR-34) emitir a Permissão de Trabalho (PT).
- Executor: deve ser capacitado (treinamento), inspecionar seus equipamentos antes do uso e seguir rigorosamente o que a Análise de Risco e a PT (onde aplicável) determinam.
- Observador: deve ser um trabalhador treinado (inclusive em combate a incêndio) cuja função é a vigilância. Sua presença é condicional à Análise de Risco tanto na NR-18 quanto na NR-34.
A gestão na prática: a permissão de trabalho (PT)
A ferramenta de gestão para isso é a Permissão de Trabalho (PT). É importante notar que a NR-34 exige formalmente a PT (item 34.5). Já a NR-18, em seu item 18.7.6 (Trabalho a Quente), não exige a emissão de uma PT, focando na Análise de Risco. Na prática, utilizar uma Permissão de Trabalho a Quente (termo comum) é a melhor forma de documentar e evidenciar a Análise de Risco exigida pela NR-18.
A PT é um documento detalhado que exige assinaturas e um checklist rigoroso para a inspeção prévia. Para entender o passo a passo de como implantar um sistema de permissão de trabalho a quente e ver um modelo, acesse nosso guia completo sobre a PT – Permissão de Trabalho a Quente.
EPIs para trabalho a quente: o que é essencial
Falar sobre EPIs para trabalho a quente, vai muito além de uma máscara de solda. A proteção contra o calor gerado é fundamental, e a escolha errada é um erro comum que causa acidentes graves. Uma luva de raspa comum pode ser suficiente para esmerilhamento leve, mas falhará miseravelmente contra o calor radiante de um corte a plasma.
O Profissional de SST deve avaliar o risco térmico (contato, convecção e radiação) para especificar vestimentas, aventais, mangotes e luvas corretas, preferencialmente com materiais de alta performance (aramida, aluminizados, combinações) e sempre com CA válido e ficha técnica compatível com o risco identificado.
Importante: nos trabalhos a quente regidos pela NR-34, é expressamente proibida a utilização de escadas de madeira, conforme estabelece o item 34.6.3.4 da NR-34. Essa proibição existe para evitar o risco adicional de incêndio e aumentar a segurança do trabalhador em operações desse tipo.
3 erros comuns em trabalho a quente que geram “dor de cabeça”
Na prática, a “dor de cabeça” (retrabalho, incidentes, não conformidades) que o gestor de SST tanto teme geralmente vem de falhas que poderiam ser evitadas. Estes são os 3 erros mais comuns na gestão de trabalhos a quente:
1. Foco excessivo no ambiente, esquecendo o operador
A equipe se preocupa tanto em molhar o piso e cobrir canaletas (risco de incêndio) que esquece de avaliar o risco de estresse térmico ou queimaduras por radiação no operador, falhando na especificação do EPI térmico.
2. Falha na segregação e isolamento da área
Assumir que uma “distância segura” é o bastante. Faíscas podem pular para andares inferiores ou entrar em frestas e dutos, iniciando um incêndio horas depois. O isolamento com mantas antichamas é inegociável.
3. Liberação da área cedo demais (ignorando o pós-trabalho)
Um erro crítico é liberar a área imediatamente após a última faísca. Tanto a NR-18 (item 18.7.6.6, alínea ‘d’) quanto a NR-34 (item 34.5.3.1, alínea ‘d’) preveem verificação/inspeção ao término do trabalho para evitar princípios de incêndio; na NR-18 esse comando está em 18.7.6.6(d) e na NR-34 em 34.5.3.1(d)
Quando a AR/APR tiver definido a presença de trabalhador/observador capacitado, ele deve permanecer no local até a conclusão segura do serviço, isto é, até o término da inspeção final e a liberação da área conforme o que foi previsto na análise de risco.
Perguntas frequentes sobre trabalho a quente
Para ajudar a consolidar seu conhecimento e responder às dúvidas mais comuns que recebemos de Profissionais de SST e de trabalhadores, preparamos uma seção de perguntas rápidas e respostas diretas.
Qual NR fala sobre trabalho a quente?
Depende do setor. A NR-18 regulamenta o trabalho a quente na Indústria da Construção (item 18.7.6). Já a NR-34 (ou nr-34) estabelece os requisitos para a Indústria de Construção, Reparação e Desmonte Naval (item 34.5).
O que a NR 18 fala sobre trabalho a quente?
A NR-18, no item 18.7.6 (Trabalho a Quente), determina que a atividade só pode ser realizada depois de verificada a segurança do local e, quando houver fatores agravantes, depois de feita uma Análise de Risco (AR). Esses fatores estão descritos no 18.7.6.2, alíneas “a” e “b” e, em resumo, são:
- quando houver materiais combustíveis ou inflamáveis na área de execução ou nas proximidades; ou
- quando o trabalho a quente for feito em local não destinado / não isolado para essa finalidade.
Nessas situações, a AR deve:
- identificar os riscos de incêndio/explosão;
- definir as medidas de controle (remoção de inflamáveis, isolamento, proteção de aberturas, equipamentos de combate a incêndio);
- definir se haverá observador capacitado acompanhando o serviço.
O que diz a NR-34?
A NR-34 é uma norma setorial que define as condições de segurança para a Indústria da Construção, Reparação e Desmonte Naval. O seu principal objetivo é prevenir acidentes em atividades de alto risco, como trabalho a quente (item 34.5), que para esta norma exige uma Permissão de Trabalho (PT).
O que a NR 15 fala sobre calor?
A NR-15, em seu Anexo 3, não trata das fontes de ignição (o foco da NR-18 e NR-34), mas sim da exposição ao calor (estresse térmico/insalubridade). Ela define os limites de tolerância (IBUTG) para o estresse térmico ao qual o operador está exposto, o que é crucial em atividades de solda pesada ou em fundições.
Quais os EPIs para trabalho a quente?
Os EPIs essenciais incluem proteção facial (máscara de solda), proteção respiratória (para fumos metálicos), vestimentas de proteção (como aventais e mangotes de raspa ou aluminizados) e luvas de segurança adequadas para o nível de calor gerado (seja por contato ou radiação).
Qual a função do observador?
Tanto a NR-18 (itens 18.7.6.3 e 18.7.6.4, combinados com 18.7.6.2) quanto a NR-34 (item 34.5.10) preveem a figura do observador quando a Análise de Risco (AR) ou a Análise Preliminar de Riscos (APR) indicar essa necessidade. Nesse caso, o observador deve ser um trabalhador capacitado, com dedicação exclusiva durante a execução do trabalho a quente, responsável por:
- monitorar continuamente a área de execução e as áreas adjacentes indicadas na AR/APR;
- identificar e atuar diante de qualquer princípio de incêndio ou situação insegura;
- assegurar que os meios de combate a incêndio estejam disponíveis e operacionais;
- permanecer no local até a conclusão segura do serviço e a inspeção final da área, conforme definido na AR/APR.
Ou seja: o observador não é automático na NR-18 nem na NR-34 — ele é condicional ao risco identificado. Quando a AR/APR exigir, porém, ele passa a ser obrigatório e exclusivo até o término seguro do trabalho.
O que é trabalho a quente DDS?
DDS trabalho a quente refere-se ao “Diálogo Diário de Segurança” focado nesta atividade. É uma prática de segurança essencial, realizada antes de iniciar a tarefa, para relembrar a equipe sobre os riscos (incêndio, explosão, fumos), verificar as condições da área e confirmar o entendimento da Análise de Risco ou da Permissão de Trabalho (PT), onde ela for aplicável.
Base normativa consultada
- NR-18 – Segurança e Saúde no Trabalho na Indústria da Construção, item 18.7.6 (Trabalho a quente) e subitens 18.7.6.1, 18.7.6.2 e 18.7.6.6.
- NR-34 – Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção, Reparação e Desmonte Naval, item 34.5 (Trabalho a quente) e subitens 34.5.3.1, 34.5.7, 34.5.8 e 34.5.10.
- NR-15 – Atividades e Operações Insalubres, Anexo 3 – Limites de tolerância para exposição ao calor.
Textos oficiais disponíveis no portal gov.br, área do Ministério do Trabalho e Emprego (versões vigentes à data da publicação).
Conclusão: do risco técnico à gestão estratégica
Obrigado por nos acompanhar neste guia técnico. Nossa certeza é que a gestão do trabalho a quente vai além de evitar incêndios; é sobre proteger vidas. É a decisão estratégica que separa o gestor que “cumpre a norma” do profissional que realmente blinda a operação e o operador.
Sabemos que sua responsabilidade é enorme: equilibrar a pressão da produção com a complexidade das NRs, gerenciar a Análise de Risco, a PT e, acima de tudo, evitar o acidente.
Diante de toda essa complexidade, nós queremos ouvir você: este guia ajudou a cobrir suas dúvidas? Faltou algum detalhe ou você tem um ponto de vista diferente sobre tudo o que falamos aqui? Por favor, deixe sua opinião nos comentários, pois a sua experiência de campo é o que mais enriquece nossa comunidade de SST.
Proteger sua equipe do risco mais alto (calor radiante e convectivo) é o passo final da gestão. Se você precisa de EPIs com rigor técnico (como vestimentas aluminizadas) que garantam a conformidade e eliminem sua “dor de cabeça”, fale com um especialista e garanta a segurança da sua operação.
Grande abraço e até a próxima.
